segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

PROMETEU

Um iate na 66a. regata de Sydney a Hobart, na Austrália, defronte a uma tempestade. Fotografia de Carlo Borlenghi in The Guardian, 28 de dezembro de 2010.

Que Ésquilo se pronuncie agora. Antes de Prometeu, o que havia? Havia o nada viam, havia o nada escutavam, havia os embaralhados, havia o desconhecimento, havia o fundo da caverna, não havia a superfície, não havia verão, não havia pensamento, só ação, não havia arreios, não havia selas, não havia cálculo, não havia a combinação das letras, não havia animais domados, não havia os navios de asas de linho. Prometeu ladrão do fogo? Prometeu passador da chama da vida, vida linda, vida sem mais o opressor medo da morte, vida ainda que de lá para cá, oscilante vida capengante, vida sob o sol, vida humana vida. Tu podes para sempre o condenar por ter sido um ladrão insolente, um ladrão desafiante, um ladrão reles, um ladrão de Deus. Tu podes. Eu não posso. 
 
“(...) Se olhavam algo, eles nada viam, 

não escutavam nada do que ouviam.
Ao longo de sua vida, embaralhavam
tudo ao acaso, símiles oníricos.
Desconheciam casas de tijolos
sob o sol e o trabalho na madeira.
Como formigas ágeis, sob a terra,
ocupavam o fundo das cavernas.
Nenhum sinal do inverno, da estação
das flores ou das frutas do verão.
Agiam sem pensar até eu mostrar-lhes
o difícil subir, descer, dos astros.
Inventei o prodígio das ciências –
o cálculo – e a combinação das letras,
memória, artífice de tudo, Musa.
Aos arreios e selas atrelei
os animais domados, substituindo
os homens na jornada. Conduzi
cavalos sob o carro. Aceitam rédeas,
ornamento onde impera o luxo extremo.
A alguém mais eles devem naves de asas
de linho, que vacilam pelo oceano?
Se fui autor de engenhos desse gênero
para os mortais, careço de ciência
que traga uma saída ao mal presente.”

 
Prometeu Prisioneiro de Ésquilo, versos 447-471 in Três Tragédias Gregas. São Paulo: Perspectiva, 2007, p. 156. Tradução de Trajano Vieira.

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