sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

FERREIROS DE CANÇÕES

Com o martelo e a bigorna nas mãos, o Ferrari Chico Buarque de Holanda em Porto Alegre, 30 de março de 2007, por Fernanda Steffen in Wikipedia.

Na mais bela página de seu magnífico “Ferreiros e Alquimistas”, o grande historiador Mircea Eliade, um ferreiro de mão cheia, nos dá de presente esta pesquisa iluminada, esta pesquisa maravilhosa, esta pesquisa inusitada, surpreendente, de uma perspicácia fora do comum, de um encanto formidável. Que o leitor recorte isso e coloque na cabeceira da cama, na porta da geladeira, em um canto da TV, na metade da tela do computador, que pregue isso nos postes do centro da cidade, e, se tiver filhos pequenos ou for professor de jardim de infância, não se acanhe, não se vexe de ler isso em voz alta, de declamar essas letras com generosidade. Eu sei que nesta hora lágrimas saltarão dos olhos, as lágrimas-marcas, as lágrimas-aquelas, as lágrimas de uma rara felicidade. Devagar agora:

 
“A solidariedade entre o ofício de ferreiro e o canto fica claramente manifestada no vocabulário semítico: o árabe q-e-n, “forriar, ser ferreiro”, está aparentado com os termos hebreu, sírio e etíope que designam a ação de “cantar, entoar uma lamentação fúnebre”. É inútil recordar a etiologia da palavra poeta, do grego potetes, “fabricante”, “fazedor”, e a vizinhança semântica de “artesão” e “artista”. O sânscrito taksh, “fabricar”, utiliza-se para expressar a composição dos cantos do Rig Veda. O antigo escandinavo lotha-smithr, “canção-ferreiro”, e o termo renano reimschmied, “poetastro”, sublinham ainda mais claramente os laços íntimos existentes entre a profissão de ferreiro e a arte do poeta ou do músico (Gaster, ibid). Segundo Snorri, Odhin e seus sacerdotes se chamavam “ferreiros de canções” (Ohlhaver, Die germanisch Schmied, p. 11). As mesmas relações se observavam entre os turcos-tártaros e os mongóis, entre os que o ferreiro se acha associado aos heróis, aos cantores e aos poetas. Deste modo teremos que recordar aos zíngaros, nômades ao mesmo tempo que ferreiros, caldeireiros, músicos, curandeiros e recitadores da sorte. O nome que os zíngaros dão a si mesmos é na Europa Rom; em Armênia, Lon; na Pérsia, Dom, e em Síria, Dom ou Dum. “Agora bem escreve Julio Bloch, dom é na Índia o nome de uma tribo, ou melhor de um conglomerado de tribos muito estendidas e conhecidas antigamente”. Nos textos sânscritos vão associados aos músicos, aos intocáveis, mas são conhecidos sobretudo como ferreiros e músicos.” 

 
Fonte, oceano, catarata do Iguaçu: Mircea Eliade in Ferreiros e Alquimistas, ed. Jorge Zahar, esgotado, mas, felizmente, à disposição por aí na internet. A citação está no capítulo 10, “Ferreiros, guerreiros, mestres de iniciação”.

2 comentários:

  1. Assisti a um dcoumentário feito pelo Geneton Moraes Neto. Neste aparece Gilberto Gil dizendo como ele e Chico compuseram Cálice. Quase declamando sob uma mesinha, andando pela casa. Cnatando. A música quase saiu da boca deles sózinha.

    abraços.

    Marta

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