quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

A LESTE DO ÉDEN

“Invention de la pensée et de l’art de forger, Giohargius et Tubal-Caim” [A invenção do pensamento e da arte de forjar], tapeçaria de lã no Musée de Cluny-Musée du Moyen Age [Museu da Idade Média] em Paris. Origem: Países Baixos do Sul, início do século XVI. Fotografia de straighfromthecask em 14 de maio de 2011.

Tubal-Caim é citado uma única vez na Bíblia. No livro de Gênesis, capítulo 4, versículo 22, ele é apresentado como filho de Lamec e Zila, irmão de Naamah, descendente de Caim. Um malleator na tradução de São Jerônimo para o latim, um amestrador, aquele que sabe malhar o cobre e o ferro, sabe transformá-lo, dar-lhe uma forma outra daquela da natureza, um faber, inventor, um mestre de armas. Para alguns, o primeiro químico, um cientista,  para outros o primeiro fabricante de armas de guerra. Para todos, um ferreiro.

O historiador Mircea Eliade, assim fala sobre ele e sobre Caim: 

“Eva deu à luz Caim, “que cultivava o solo”, e Abel, “pastor de ovelhas”. Quando os irmãos ofereceram sacrifícios de gratidão – Caim, produtos do solo, e Abel as primícias do seu rebanho - , Javé acolheu a oferenda de Abel, mas não a de Caim. Irado, ele “se lançou sobre seu irmão e o matou” (Gênesis, 4:8). Agora, sentenciou Javé, “és maldito e expulso do solo fértil. Ainda que cultives o solo, ele não te dará mais seu produto: serás um fugitivo errante sobre a Terra” (4:11-16).  Pode-se ver nesse episódio a oposição entre lavradores e pastores, e, implicitamente, a apologia destes últimos. Entretanto, se o nome de Abel quer dizer “pastor”, Caim significa “ferreiro”. O seu conflito reflete a situação ambivalente do ferreiro em certas sociedades pastoris, onde ele é ora desprezado, ora respeitado, mas sempre temido. Como vimos, o ferreiro é considerado o “senhor do fogo” e dispõe de poderes mágicos temíveis. Em todo caso, a tradição conservada no relato bíblico reflete a idealização da existência “simples e pura” dos pastores-nômades, e a resistência contra a vida sedentária dos agricultores e dos habitantes das cidades. Caim “tornou-se um construtor de cidade”(4:17), e um dos seus descendentes é Tubalcaim, “o pai de todos os laminadores em cobre e ferro” (4:22). O primeiro assassinato é portanto cometido por aquele que, de alguma forma, encarna o símbolo da tecnologia e da civilização urbana. Implicitamente, todas as técnicas são suspeitas de “magia” “ (Mircea Eliade in História das Crenças e das Ideias Religiosas, v. I, Jorge Zahar editora, 2010, pp. 166-167).
 
Seríamos, os Ferrari, descendentes de Caim? Sobre essa questão, o maravilhoso escritor norte-americano John Steinbeck, em seu magnífico East of Eden [A Leste do Éden, editora Record, 2005], assim responde: “Mas Caim viveu e teve filhos e Abel vive somente na história. Somos os filhos de Caim” (p. 291).

2 comentários:

  1. Ferrari,

    Li a leste do Éden em 1983 em São Carlos. Eram 2 volumes. Comecei a ler a noite, 21 horas e terminei as 7 horas da manhã do dia seguinte. Marco.

    Estou lendo seu livro. Sublime!

    abraços
    Marta

    ResponderExcluir