Roma. Fotografia de Massimo Zini em 13 de fevereiro de 2010.
Primeiro em seus sonhos, depois nos arredores sem conseguir entrar. Foi só em 1901, após publicar sua obra-prima, A Interpretação dos Sonhos, que ele foi, auxiliado por seu irmão, andar pela cidade. Ferreiro-estrangeiro que era, percebeu que havia encontrado sua morada.
“Como muitos setentrionais entrando pela primeira vez em Roma – como Gibbon, Goethe, Mommsen -, ele vagueou envolto num encantamento deslumbrado. A Roma cristã o perturbou, a Roma moderna pareceu promissora e simpática, mas foi a Roma da Antigüidade e do Renascimento que lhe deu alegria, enquanto atirava uma moeda na fonte de Trevi, deleitava-se entre as ruínas antigas, detinha-se fascinado diante do Moisés de Michelangelo. A visita, disse ele claramente, sem nenhuma hipérbole, foi um “ponto alto” em sua vida.” - Fonte: Peter Gay in Freud – Uma Vida para Nosso Tempo. São Paulo: Cia. das Letras, 1997, p. 137.
Quase trinta anos depois, com martelo e cinzel, ele transformou esse encontro em teoria. Ele decidiu pagar sua dívida para com Roma, a cidade-esfinge que o fez decifrar na própria carne o enigma da existência, aquilo que chamou de inconsciente. Pagamento de ferreiro.
“Façamos agora a fantástica suposição de que Roma não seja a habitação de seres humanos, mas um ser psíquico com um passado de análoga extensão e riqueza, um ser, portanto, em que nada do que uma vez aconteceu tenha se perdido, em que ao lado da última fase de seu desenvolvimento todas as anteriores ainda continuem existindo. Isso significaria para Roma, portanto, que os palácios imperiais e o Septizonium de Sétimo Severo ainda se elevariam em sua antiga altura sobre o Palatino, que o Castel Sant'Angelo ainda ostentaria em suas ameias as belas estátuas que o adornavam até o cerco dos godos etc. Mais ainda, porém: no lugar do Palazzo Caffarelli, sem que fosse necessário demoli-lo, estaria outra vez o templo do Júpiter capitolino, e não apenas em sua última forma, como o viam os romanos do tempo dos césares, mas também nas mais antigas, quando ainda tinha aspecto etrusco, e era ornamentado com antefixas de argila. Onde agora está o Coliseu, também poderíamos admirar a desaparecida Domus aurea de Nero; na Praça do Panteão, encontraríamos não apenas o Panteão atual, tal como este nos foi legado por Adriano, mas também, sobre o mesmo terreno, a construção original de M. Agripa; o mesmo solo, inclusive, sustentaria a igreja Maria sopra Minerva e o antigo templo sobre o qual foi construída. E para evocar uma ou outra dessas vistas, talvez bastasse apenas que o observador mudasse a direção de seu olhar ou o posto de observação.”
Sigmund Freud em “O Mal-Estar na Cultura” (1930). Porto Alegre: L&PM ed., 2010, pp. 52-53. Tradução do alemão de Renato Zwick.
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