O Templo de Hefesto em Atenas. Fotografia de Michael Creasy em 2011.
Os gregos tiveram a rara felicidade de inventar os deuses da falta, os deuses das versões. São deuses que não estão onde deveriam estar, não fazem o que deveriam fazer, deuses imprevisíveis, deuses estranhos, deuses perigosos, deuses incertos, ora descritos de um jeito, cinco minutos depois de outro. Hefesto, por exemplo, o deus grego do fogo e dos ofícios, o deus ferreiro. A confusão se inicia já em seu nascimento. De quem Hefesto é filho? Para alguns, de Zeus e Hera, para outros, como Hesíodo, somente de Hera. Ela o teria gerado sem união amorosa, por cólera e desafio ao seu esposo, pois Zeus havia acabado de gerar Atena de sua própria cabeça. E nasceu como? Para Robert Graves, nasceu fraquinho, de tal maneira que sua mãe, desgostosa, atirou-o do alto do Olimpo. Já para Homero, Hefesto nasceu coxo, nasceu disforme, e por causa disso, Hera, envergonhada, jogou-o fora. Se fosse um mortal, teria morrido. Mas a mitologia grega tira de um lado, dá de outro. Ao despencar no mar, Hefesto cai nos braços de Tétis e Eurínome, duas amáveis deusas que passeavam por ali naquela hora, naquele instante. Porém, a queda tem um preço. Hefesto se machuca, fica coxo – é outra versão do mito que não acredita ter ele nascido assim. Porém, em outra versão, revista e atualizada, teria ele ficado coxo por haver sido demais filhinho da mamãe, ter tomado partido de sua mãe contra seu pai em uma briga do casal, e assim Zeus, louco de cólera, de castigo o lançou ao mar. De qualquer modo, as versões parecem concordar que essas deusas passeantes, Tétis e Eurínome, recolheram-no, acolheram-no, acalentaram-no em um gruta profunda no meio do oceano, e lhe ensinaram algo muito precioso durante nove anos: o ofício de ferreiro e de artesão. Maneira elegante da mitologia grega indicar que tudo se aprende do outro. Não existem ferreiros que se fazem por si mesmos. E aqui nesta história, ele vai aprender com outras, com duas mulheres, o que não deixa de ser imensamente interessante. Ora, em outra versão dos pés coxos de Hefesto, pés cambaios, pés rengos, a historiadora belga Marie Delcourt acredita ter sido este o preço do aprendizado, o preço da prova iniciatória desta arte de manipular o ferro. Seja o que for, Hefesto se tornou ferreiro, se tornou joalheiro, se tornou armeiro – fez colares, fivelas, brincos, o escudo de Aquiles na Ilíada, fez armadilhas. A mais célebre delas, fez uma rede invisível para prender sua esposa, Afrodite, no momento da traição com Ares – e chamou todo mundo para ver a prova do crime. Os deuses riram – numa versão, riram da cornice de Hefesto, o traído, o passado para trás – em outra versão, riram dos traidores presos na rede e, em versão mais moderna, riram para não chorar, pois perceberam o enorme poder de Hefesto. Sobre esse poder, em uma outra versão, Mircea Eliade diz que Hefesto criou Pandora a pedido de Zeus, bem como ajudou-o no nascimento de Atena, o que faria de Hefesto o primeiro obstetra da história – mas como, perguntarão alguns, se ele recém havia nascido e ainda não tinha aprendido o ofício de ferreiro-parteiro? Esta é outra invenção brilhante dos gregos: o paradoxo, a confusão, Dionísio onde querem apenas Apolo.
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