quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

A CARTA



“Savignano Sul Panaro 27/4/1945
Caro zio,
Per grazia di voi Brasiliani ci siamo liberati dai tedeschi e fascisti; ora stiamo bene. È morto 5 anni fa vostro fratello Luigi.
La famiglia vive bene, vostra sorella vive ancora contutta la famiglia; abitiamo al Bivio di Savignano Sul Panaro.
Vostro fratello Armando vive ancora con tutta la famiglia solo che in un bombardamento ha rimesso la casa.
Di vostro fratello Pietro non si hanno notizie dalla morte della vostra mamma.
Vi saluto caramente da tutti.
Vostro nipote

Remo Venturelli.”
[Savignano Sul Panaro, 27/4/1945. Querido tio: graças a vocês, brasileiros, nós fomos libertados dos alemães e fascistas. Agora estamos bem. Morreu há 5 anos seu irmão Luigi. A família vive bem. Sua irmã vive agora com toda a família. Moramos na divisa de Savignano Sul Panaro [nota: com a cidade de Vignola]. Seu irmão Armando vive junto de toda a família, pois devido a um bombardeio, perdeu a casa. Não se tem notícia de seu irmão Pietro desde a morte de sua mãe [nota: no original em italiano, Remo parece escrever a palavra "falubardamento" que não existe - pedi ajuda aos professores Cicuto e Oriana do Instituto D'Ambrosio de Curitiba que generosamente me ofereceram a possibilidade de traduzir isso como "bombardeio". A prima Monica Venturelli, neta de Remo, acredita haver aí um erro de ortografia e que ele desejava escrever "bombardamento". Agradeço a Monica a gentileza de fazer toda a correção do original italiano e também corrigir um erro de entendimento deste tradutor: na minha tradução, quem perdeu a casa pelo bombardeio foi Pietro. Monica corrige: foi Armando. Não bastasse a guerra, nossos antepassados quase sofreram um novo ataque do tradutor brasileiro!]. Saúdo ao senhor e a todos vocês carinhosamente. Seu sobrinho, Remo Venturelli”]
Fonte: carta de Remo Venturelli a Mario Ferrari. O original desta carta me foi confiado pela tia Branca, a quem agradeço imensamente. A reprodução acima não foi alterada digitalmente.

Uma carta. Escrita por um sobrinho e endereçada a seu tio. De Remo Venturelli para Mario Ferrari. Da cidade de Savignano Sul Panaro, uma pequena cidade à beira do rio Panaro, vizinha às cidades de Vignola e de Zocca, na Emilia-Romagna, região norte da Itália, e endereçada a um tio morador de Passo Fundo, no Rio Grande do Sul, Brasil – sem envelope, sem selos. A data, 27 de abril de 1945, marca o final da 2ª. Guerra. O que diz esta carta? Seu início deveria ser lido em todos os jardins de infância do Brasil. Diz assim: “graças a vocês, brasileiros, nós fomos libertados dos fascistas”. Maravilhoso ler isso. Há uma linda gratidão aqui a esses “brasileiros”, vindos de longe, a esse tio que um dia partiu, um dia saiu de casa, um dia não voltou mais, e que agora retorna como brasileiro, um brasileiro libertador. O sobrinho Remo, que em português também significa o remo de um barco, aquilo que impulsiona, aquilo que vence a correnteza, este sobrinho inclui o tio entre os brasileiros. Tio que ele não via há pelo menos 19 anos, desde quando, em 1926, Mario veio para o Brasil. 19 anos de separação, 19 anos sem notícias, 19 anos de saudades. O único tio a sair da Itália, o único tio a emigrar – uma façanha? Um desatino? Mas como soube o sobrinho que seu tio morava no Brasil, e ainda mais em Passo Fundo? Como fazer esta carta chegar a seu destinatário? Pois bem: na casa do sobrinho, em que vivia com sua mãe Tereza, irmã de Mario, lá estava pregado no muro uma fotografia de Mario. Lá estava a presença de uma ausência. Uma fotografia. E não é que foi justamente um soldado do Brasil, um soldado de Passo Fundo a passar na frente desta casa um dia e dizer: “mas eu conheço este homem”! Magnífico! Através deste soldado, através deste pracinha de Passo Fundo, a carta foi escrita, a carta foi enviada, a carta chegou. Uma carta de agradecimento. Uma carta de reconhecimento. Uma carta de amor. Uma carta de morte. A morte de um irmão, o desaparecimento de outro, a morte da mãe. Uma carta de vida. Uma carta de reencontro. Uma carta de família.

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